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DÁ PRA EVITAR O TRAUMA?

Atualizado: 12 de out. de 2024


A frágil tessitura do aparelho psíquico

O tema do trauma esteve presente na psicanálise desde seus primórdios, quando Freud se perguntava sobre a causa do adoecimento psíquico, concepção que foi reformulada diversas vezes ao longo de sua obra.


Inicialmente compreendido como um conflito entre ideias incompatíveis, o trauma logo ganhou conotação sexual na hipótese da sedução traumática, que não tardou a cair devido às inconsistências que apresentava. Em seu lugar Freud vai propor a teoria das fantasias inconscientes, em que a neurose seria causada não mais por um trauma ocorrido na realidade objetiva do sujeito, mas sim por um desejo inconsciente.


A temática do trauma deixa então de ser um problema central ao entendimento do adoecimento psíquico e ficará em segundo plano na obra de Freud durante décadas até reaparecer em 1920, no pós primeira guerra mundial. Relacionado ao conceito de pulsão de morte, o trauma passa a ser compreendido como um problema constitutivo do aparelho psíquico, que fala de um excesso pulsional que não pode ser processado por ele, perturbando assim seu funcionamento e exigindo trabalho (psíquico) - trabalho este que seria afinal o que nos coloca em movimento a cada dia, essa necessidade incessante de dar vazão a algo que nunca se encerra ou sossega. É o que nos move e nos lança em nossos projetos pessoais, numa busca que nunca se conclui - e que bom que não conclui, pois assim podemos continuar desejando. Como diz a música, “I Can't Get No Satisfaction”, e assim seguimos tentando.


Por ser constitutivo, o trauma implica na existência de uma espécie de fissura estrutural no aparelho psíquico que irá abalar seu funcionamento em maior ou menor grau, podendo produzir um verdadeiro colapso. Essa característica de ruptura do trauma, ao mesmo tempo em que pode ter efeitos avassaladores para o sujeito, é também a brecha que abre para a dimensão do desejo - isto é, abre para que o sujeito possa “desviar” do circuito sintomático que o mantém preso à neurose e seguir na direção daquilo que o desperta e causa.


No entendimento da psicanálise o trauma não ocorre somente diante de um evento catastrófico que arrasa a vida de alguém, mas se caracteriza justamente por algo de corriqueiro que pode ocorrer em situações cotidianas, causando grande impacto ainda na infância, quando o sujeito é pego desprevenido por alguma situação com um amigo ou familiar (ou mesmo um desconhecido) que não tem recursos para lidar, ecoando como um abismo em sua mente. Pode ocorrer diante de algo que foi ouvido e não compreendido, de algo que foi visto numa situação inesperada causando horror, diante de um acidente real sofrido pelo sujeito ou por alguém que ele ama. Enfim, as possibilidades são infinitas, dado que o trauma é sempre um acontecimento singular na vida de alguém, deixando marcas que muitas vezes nem mesmo sabemos ou lembramos, apenas sentimos seus efeitos - em forma de ansiedade, sintomas, repetições, insônia, enfim, em diversas modalidades de adoecimento psíquico.


Vemos, assim, que por ser constitutivo do aparelho psíquico o trauma não é algo que possa ser evitado - mas é possível evitar os efeitos devastadores que ele pode ter sobre nós. Ou melhor, se não evitar, tratar - e é justamente disso que se trata em uma análise.

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